sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Homem-Carro e outros heróis do nosso tempo

Dando continuidade à saga de heróis modernos
 e reais, em série livremente inspirada no
 poema  "Homemcarro", de Ademir Assunção,
 em  seu  livro  "A Máquina Peluda", a quem já
 homenageamos anteriormente  com o post
"Homem-Sapato" ,  apresentamos agora
 estes novos personagens.


Devido aos avanços tecnológicos e industriais das últimas décadas, ficou fácil para considerável parcela privilegiada da população mundial ter acesso aos automóveis próprios em números cada vez maiores de exemplares e modelos por família bem-sucedida.

Tal facilidade possibilitou o surgimento de uma classe de humanos que não concebe que os deslocamentos diários, de qualquer distância que seja, possam ser realizados sem lançar mão do seu cada vez mais moderno e poderoso automóvel. Com o tempo, a interação homem e máquina tornou-se tão intensa, que uma relevante parte da humanidade começou a transmudar e a transformar-se em uma classe de mutantes: os homens-carro.   
Hoje em dia, as ruas das grandes e mais abastadas cidades do mundo estão repletas desses seres poderosos e arrogantes, para os quais todos os urbanistas, governantes e empresários têm dado o seu amplo e irrestrito apoio. Os Homens-Carro ditam as regras e as modalidades urbanas de transportes. Em relação a qualquer política que se queira implantar nas cidades, primeiramente são estudados os impactos nas vidas dos homens-carro. Somente depois de atendidas as suas necessidades é que a sociedade se volta para outros mutantes modernos, como o Homem-Sapato, o Homem-Bike, e os motorcycle-men.
Há ainda categorias como os skate-boys, que também vivem às turras com a sociedade sobre onde seria o lugar ideal para as demonstrações das suas habilidades. 
Contudo, mal ou bem, os mutantes acima, apesar de sempre estarem sujeitos às reverências e prioridades sociais concedidas aos homens-carro, acabam se organizando minimamente e, ainda que de forma rudimentar, conseguem ser vistos como classes humano-mutantes. 
A vida nas grandes cidades fica difícil mesmo, ou quase impraticável, para os homens-rato, categoria mutante subumana, que se alastra e se arrasta pelos becos, vielas e embaixo dos viadutos e pontes. Os homens-rato vivem das sobras e dos favores de má vontade de todas as outras espécies urbanas. Apesar de ser uma categoria humana também moderna, não há qualquer glamour ou elegância na vida dos homens-rato. Vivem jogados às margens das avenidas e ruas por onde trafegam, às vezes velozes, às vezes engarrafados, os onipresentes homens-carro. De tão comuns na paisagem urbana, os homens-rato já não são mais sequer notados, principalmente pelos ocupados, importantes e apressados homens-carro. 
Alguns homens-rato ainda têm consciência e energia para tentar trabalhar e levar uma vida digna e nesse caso podem se transformar em uma categoria intermediária: a dos homens-carroça. Os homens-carroça prestam um importante serviço à sociedade, uma vez que, mesmo de forma improvisada, muito contribuem para a coleta de resíduos e restos que poderiam eventualmente complicar ainda mais, se é que isso é possível, os deslocamentos dos ocupados, importantes e superiores homens-carro. Muitas vezes, os homens-carroça são obrigados a se deslocarem em meio ao pesado tráfego de homens-carro e quase são trucidados por esses déspotas do trânsito, mas, mesmo assim, conseguem levar a sua vida de mutantes de segunda classe.             
Assim, segue a vida urbana moderna, repleta de castas de mutantes que pouco ou nada interagem entre si. As interações ficam restritas e ensimesmadas nas próprias classes e se dão principalmente de maneira virtual e à distância. Dessas interações surgem as subclasses de homens-carro, ou seja, os homens-facebook, os homens-twitter, os homens-tablet e os notebook-men, entre possíveis muitas outras que vão aparecendo. 
A lamentar, apenas e principalmente, é o fato de que todos esses super-heróis modernos pouco ou nada fazem para realmente democratizar e solidarizar a vida de todas as classes na moderna sociedade, trabalhando para que a subclasse dos homens-rato deixe de existir, e que todos os homens possam passar a viver em condições realmente mais igualitárias e menos diferenciadas e discriminatórias. Afinal, não precisamos de heróis, precisamos de homens, apenas homens.  

3 comentários:

Anônimo disse...

O seu texto é bom e muito irreverente pai! Como sempre falando a verdade e nos colocando para refletir sobre os dias de hoje! Parabéns, acertou na mosca de novo!

Tânia Peixoto disse...


É isso aí, Altamir! Sempre que venho aqui, me deparo com textos realistas e inteligentes.

Fiquei pensando sobre tudo isso e, muitas vezes, observo no cotidiano, de forma geral, que os homens-rato, em parte considerável, querem ascender à categoria dos homens-carro, por entenderem que possuir determinados bens equivale a melhorar de vida e a viver mais dignamente. Há uma nítida inversão de valores, na sociedade contemporânea.

E tudo é criado para manipular, quando não, escravizar. Isso dá-se com as redes sociais, por exemplo e a maioria das pessoas insiste em não enxergar, a elas subjugando-se facilmente.

É O MUNDO DOS EXCESSOS, meu amigo!

Meu abraço aqui do Cariri,
Tânia Peixoto

Altavolt disse...

Laís: É isso mesmo. Se eu já estiver conseguindo colocar ao menos uma pessoa para refletir, esse trabalho já terá valido à pena! Beijão!

Tânia: Talvez o equilíbrio fosse um mundo em que existissem apenas os homens, sem distinções de castas. Nem os homens-carros nem os homens-ratos nos representam condignamente no quesito humanidade. Grande beijo de Sampa!

Altamir

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