As drogas são traficadas, processadas e vendidas em grande escala porque tem muitos consumidores, ou tem muitos consumidores porque são traficadas, processadas e vendidas em grande escala?
Assisti nesta semana a uma reportagem televisiva que, com câmera escondida, mostrava o comércio de drogas em uma das ruas da conhecida cracolândia paulistana.
Eram meninos e pessoas vivendo em situação de rua vendendo a droga para os usuários da classe média, ou média alta, que paravam seus carros junto a eles, compravam e iam embora.
Ao final da reportagem, um policial informava que efetuavam muitas prisões naquela área, mas que não adiantava, pois prendiam alguns e apareciam muitos outros para continuar o comércio.
O que não entendi foi a falta preocupação dele - e isso se estende a muitos outros setores da nossa sociedade - com aqueles consumidores. Qual a importância e a responsabilidade daquelas pessoas supostamente ditas de bem em relação àquela triste situação?
Os meninos seriam aliciados pelo tráfico e iriam se colocar naquele tipo de situação de altíssimo risco se não houvesse tamanha demanda para o "valioso" produto que comercializam?
São impressionantes a hipocrisia e a desfaçatez com que a sociedade dita organizada trata essa questão do tráfico e consumo de drogas. Os traficantes e a marginalidade que se encarregam da produção e da distribuição são o demônio aqui na Terra, mas os filhinhos dos abastados que consomem as drogas avidamente são apenas jovens querendo se divertir!
Tem alguma coisa que não fecha nessa equação social. Vamos combater o tráfico sim. Mas combater o tráfico também passa pela conscientização e chamada à realidade de grande parcela tida como decente e honesta da nossa sociedade.
Tem sido muito frequentes nos últimos anos, os familiares e amigos chorarem a morte de parentes, principalmente jovens, mortos em decorrência da violência urbana. Será que basta chorar e protestar contra os marginais apenas nos momentos de tragédias?
Será que essa mesma parcela da sociedade que se indigna a cada acontecimento trágico que chega à sua porta não precisaria também rever o comportamento dos seus integrantes nos supostos momentos de felicidade e normalidade?
Só é monstruoso aquilo que é feito por traficantes ou policiais corruptos? Mas o que nós, da sociedade "decente" temos feito para evitar todo esse caos social? Nossos filhos e amigos nas baladas, consumindo toda o tipo de droga não é algo para se preocupar?
A droga só é perniciosa quando está sendo produzida e distribuída nas favelas e bocas de fumo? Por acaso, quando chega às mãos das patricinhas e mauricinhos ela se torna pó de pirlimpimpim?
É muito cômodo distorcer os fatos em nosso favor, tapar o Sol com a peneira e achar que maus são os outros. Precisamos, enquanto classe mérdia, refletir um pouco mais sobre tudo isso.