sábado, 31 de outubro de 2009

Tráfico X Consumo

As drogas são traficadas, processadas e vendidas em grande escala porque tem muitos consumidores, ou tem muitos consumidores porque são traficadas, processadas e vendidas em grande escala?
Assisti nesta semana a uma reportagem televisiva que, com câmera escondida, mostrava o comércio de drogas em uma das ruas da conhecida cracolândia paulistana.
Eram meninos e pessoas vivendo em situação de rua vendendo a droga para os usuários da classe média, ou média alta, que paravam seus carros junto a eles, compravam e iam embora.
Ao final da reportagem, um policial informava que efetuavam muitas prisões naquela área, mas que não adiantava, pois prendiam alguns e apareciam muitos outros para continuar o comércio.
O que não entendi foi a falta preocupação dele - e isso se estende a muitos outros setores da nossa sociedade - com aqueles consumidores. Qual a importância e a responsabilidade daquelas pessoas supostamente ditas de bem em relação àquela triste situação?
Os meninos seriam aliciados pelo tráfico e iriam se colocar naquele tipo de situação de altíssimo risco se não houvesse tamanha demanda para o "valioso" produto que comercializam?
São impressionantes a hipocrisia e a desfaçatez com que a sociedade dita organizada trata essa questão do tráfico e consumo de drogas. Os traficantes e a marginalidade que se encarregam da produção e da distribuição são o demônio aqui na Terra, mas os filhinhos dos abastados que consomem as drogas avidamente são apenas jovens querendo se divertir!
Tem alguma coisa que não fecha nessa equação social. Vamos combater o tráfico sim. Mas combater o tráfico também passa pela conscientização e chamada à realidade de grande parcela tida como decente e honesta da nossa sociedade.
Tem sido muito frequentes nos últimos anos, os familiares e amigos chorarem a morte de parentes, principalmente jovens, mortos em decorrência da violência urbana. Será que basta chorar e protestar contra os marginais apenas nos momentos de tragédias?
Será que essa mesma parcela da sociedade que se indigna a cada acontecimento trágico que chega à sua porta não precisaria também rever o comportamento dos seus integrantes nos supostos momentos de felicidade e normalidade?
Só é monstruoso aquilo que é feito por traficantes ou policiais corruptos? Mas o que nós, da sociedade "decente" temos feito para evitar todo esse caos social? Nossos filhos e amigos nas baladas, consumindo toda o tipo de droga não é algo para se preocupar?
A droga só é perniciosa quando está sendo produzida e distribuída nas favelas e bocas de fumo? Por acaso, quando chega às mãos das patricinhas e mauricinhos ela se torna pó de pirlimpimpim?
É muito cômodo distorcer os fatos em nosso favor, tapar o Sol com a peneira e achar que maus são os outros. Precisamos, enquanto classe mérdia, refletir um pouco mais sobre tudo isso.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sifu Cards - Você não precisa deles

Para viver a vida plena e humanamente, existe você, sua alma, seu corpo, seu cérebro e seus sentimentos. Para todas as outras coisas, existe o Sifu Card.
O Sifu Card preenche todas as necessidades que ele mesmo criou para você. O Sifu Card permite que você parcele as aquisições de coisas de que talvez nem precise em até 48 vezes, mas, claro, com juros exorbitantes, que irão deixá-lo endividado por um longo período. Com certeza, por muito mais tempo do que vai durar aquele bem que o Sifu Card está gentilmente financiando para você neste momento.
As ofertas tentadoras para o endividamento e total enforcamento do consumidor chegam pelo correio, pelo telefone, pela Internet e pela televisão. O cidadão está sempre às voltas com ofertas imperdíveis de bancos, créditos consignados, cartões de crédito, telefonia celular, serviços de banda larga e TV a cabo, além dos supercrediários dos magazines, supermercados e lojas de departamentos.
Quando avançam como aves de rapina sobre os parcos rendimentos dos aposentados do INSS, chega a ser um crime, que deveria ser previsto no código penal. Cadeia para esses salafrários que se valem da ingenuidade dos idosos para metê-los em enrascadas financeiras e abocanhar a sua modesta renda.
São tantas e tão bondosas as ofertas, que a maioria das pessoas sucumbe a tantos apelos comerciais. Os bancos vivem mandando presentes de grego para os correntistas. São supercartões, com múltiplas capacidades e facilidades. No entanto, só não deixam claro que aqueles cartões passarão a valer automaticamente caso o incauto “beneficiário” não tome a providência de se manifestar expressamente de que não deseja mais aquela “enorme benesse” em sua já complicada vida financeira, normalmente já repleta de bolas-de-neve de dívidas e juros que só fazem crescer.
Ou seja, os bancos oferecem produtos que só vão onerar ainda mais o cliente, fazendo-o pagar anuidades e taxas, tudo em troca de uma suposta facilidade para obtenção de mais crediários e parcelamentos.
Na verdade, os Sifu Cards e os bancos não estão nem aí para a saúde financeira, nem para atender as verdadeiras necessidades de alguém. Eles querem é que você se enrole todo com eles, para depois fazer acordos de parcelamento de dívidas, que sempre saem muito caros para o usuário usurpado.
Outro capítulo à parte das necessidades criadas pelo mercado são as empresas de telefonia móvel e suas ofertas espetaculares. Às vezes, tenho a impressão, dadas as muitas possibilidades de ganhos propostos por elas aos usuários, que hoje em dia basta adquirir um celular para a sua vida mudar completamente. São bônus intermináveis, minutos livres para falar, números livres, prêmios como carros, casas e até boladas de dinheiro. Ou seja, a aquisição de um celular resolve por completo a vida do comprador.
Empresas como a Morto, a Ai, a Escuro e a Toim oferecem tudo de bom aos seus clientes. São tão boas, que fica realmente difícil escolher entre uma dessas operadoras. Por isso que já existe muita gente com vários celulares, de múltiplas operadoras. Assim não perdem nenhuma das suas generosas promoções.
Eu, particularmente, só sei que os créditos do meu celular acabam num piscar de olhos. Jamais me senti levando algum tipo de vantagem nesse serviço. Devemos sempre desconfiar das esmolas boas demais. Até os santos desconfiam. Além do mais, existe um ditado econômico que afirma que não existe almoço grátis. Alguém sempre paga por ele. E por tantas promoções imperdíveis da telefonia móvel, quem será que paga? Tenho certeza de que não são as próprias operadoras.
As promoções de TV por assinatura e banda larga também são grandes enrascadas na maioria das vezes. A NOT TOMBO é a principal delas. Chamo de NOT porque só sabe dizer não aos nossos pedidos. Depois que assinamos o contrato, é um nabo atrás do outro, ou melhor, um tombo atrás do outro. É por isso que acabo de rescindir o meu contrato com essa empresa.
Estamos vivendo na selva do mercado. Querem nos empurrar de tudo. E de muitas dessas coisas nós nem precisamos.
E para um povo tão despreparado como o brasileiro, fica difícil resistir a todas essas “vantagens” da vida moderna. E haja orçamento estourado no final do mês e uso indiscriminado do limite do cheque especial.
Não é isso, definitivamente, que eu entendo por felicidade. Precisamos urgentemente reciclar as nossas atitudes consumistas e imediatistas. E eu não quero fazer o discurso tão batido ultimamente de salvação do planeta. Para mim, antes do planeta, precisamos salvar os cidadãos dessas “necessidades adquiridas na Sessão da Tarde”, como canta com tanta propriedade a Nação Zumbi.

Para vocês que conhecem pessoas endividadas, atoladas até o pescoço, e sem forças para sair dessa ciranda financeira destrutiva, dou a dica para que procurem os “Devedores Anônimos” em suas cidades. É uma irmandade nos moldes dos “Alcoólicos Anônimos”, que procura dar apoio e orientação para que os consumistas e devedores compulsivos saiam das dívidas e tornem mais saudáveis as suas vidas financeiras.
Todos nós podemos viver felizes sem tantos Sifu Cards. Cartão de crédito e débito deve apenas ser uma ferramenta que nos auxilie em nossas vidas corridas. E bastam poucos. Só precisamos refletir mais sobre isso. E divulgar isso.

PS: Post inspirado, entre outras coisas, pelo belo filme “Antes de Partir”, no qual Jack Nicholson e Morgan Freeman dão um show e nos mostram o que é realmente importante na vida.

Inspirado também na divertida animação “Wall-E”, que assisti com minha filha neste dia das crianças. É um filme que a maioria dos adultos precisa assistir, urgentemente.

domingo, 4 de outubro de 2009

Eu, eu mesmo, muitos anos depois

Este post sim, é baseado em fatos reais.
Neste domingo, após acordar da melhor maneira possível, se é que me entendem, saí para testar minhas novas palmilhas, receitada pelo ortopedista para tratar uma inflamação no tendão de Aquiles. A dor vinha incomodando nas caminhadas e corridas há mais de um ano, tendo piorado muito nos últimos dois meses. Já não conseguia mais correr sem passar os três dias posteriores mancando muito.
Há alguns dias, passei o meu aniversário ainda com dor, pois não havia recebido as palmilhas milagrosas. Não tinham ficado prontas. Completei meus 44 anos de maneira acabrunhada e macambúzia, pois me via impedido de praticar uma das atividades que mais me dão prazer e contribuem para manter o stress e a ansiedade sob controle.
Percebi, no começo da jornada, que as palmilhas realmente iriam cumprir o papel para o qual foram receitadas. A dor estava muito menor e a pisada muito mais correta e direcionada. Feliz da vida, agradeci muito a Deus pelo presente e fui embora. Primeira corrida de 40 minutos sem dor em muito tempo.
Aliado a isso, no meu som, tocava uma música do John Lennon, Starting Over, muito emblemática para mim, pois faz parte do último disco lançado pelo ex-Beatle, em 1980, poucos meses antes da sua morte trágica. Eu tinha 15 anos de idade, e foi naquele episódio que comecei a conhecer a história dos Beatles e, consequentemente, da música.
E vieram outras músicas, aleatoriamente, todas muito marcantes para mim, em diferentes épocas. L.A. Woman, do Doors, só que na versão do Billy Idol, outra música marcante. E várias outras.
Saudosismos à parte, o exercício mental e emocional que costumo fazer nesses momentos é comparar quem eu era naquela época com quem sou hoje.
A música me ajuda a trazer de volta, com mais facilidade e precisão, as expectativas e emoções das fases passadas. Assim, pude revisitar os meus sentimentos aos 15, aos 18, aos 25 e por aí afora.
Mas o que me deixa mais feliz em tais momentos é a constatação de que o homem de hoje, muito mais velho, com quase trinta anos a mais, é, de muitas formas, aquele mesmo menino de 1980, e isso me deixa muito satisfeito. Sinto que o encontro entre o homem de hoje e o menino de antes seria uma coisa muito natural, no qual ambos se entenderiam perfeitamente. Não me envergonho em nada do menino pobre, tímido e desajeitado que fui. Como tenho certeza de que ele também não renegaria ou condenaria de maneira alguma o homem que sou. Tenho muito orgulho de ainda ser a mesma pessoa de anos atrás. Tenho ainda todas as conexões com o menino de 15, o jovem de 20, o adulto de 28. Eu sou hoje a soma daquilo que eles todos produziram no passado. E me dou muito bem com todos eles. Jamais deixei de ser eu mesmo, apesar disso eventualmente não agradar a todas as pessoas. Impossível para qualquer um agradar a todos, nem Jesus Cristo conseguiu.
Outra boa sensação que as lembranças da meninice trouxe foi a renovação da ideia de cada vez mais colaborar, de todas as formas, por um mundo mais honesto, mais humano, menos egocêntrico. Esse ideal sempre me acompanhou, e em certos períodos de stress acentuado acaba ficando soterrado por tantas mazelas e atitudes mesquinhas com as quais temos convivido nos vários âmbitos da vida moderna.
É possível o cidadão passar dos quarenta e continuar vivendo intensamente todos os sonhos e expectativas de um mundo melhor que tinha na juventude. É possível. Há exceções para a velha máxima de que se deveria sempre desconfiar de alguém com mais de trinta anos. Tenho 44 anos e não me sinto um ser abjeto que abdicou de todos os seus princípios em busca apenas do conforto material e da realização pessoal. Tenho tentado conciliar, sempre que possível, a minha vida pessoal com a minha vida de cidadão. Esse blog, entre outras iniciativas, é a prova viva disso.
Agora sim, acho que passei pelo meu inferno astral. Esse ano ele só acabou depois do aniversário. Mas valeu muito à pena. Como tudo na vida.

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