domingo, 7 de fevereiro de 2010

Capital X Cidadania

Estava eu fazendo a minha corrida matinal de domingo no famoso elevado paulistano conhecido como Minhocão, quando me deparei com mais uma situação diferente.
Antes de narrar os fatos, é preciso lembrar que o citado elevado é célebre por ter sido construído pelo então prefeito Paulo Maluf. É uma obra horrenda, que passa sobre importantes avenidas centrais, ficando no nível dos primeiros andares dos prédios daquelas vias. Ou seja, são 2,5 Km em que as pessoas abrem as janelas e podem apreciar aquele mar de veículos desfilando ininterruptamente à sua frente, bem como respirar aquele ar "saudável" que o pesado tráfego proporciona.
Essa construção já foi objeto de muita polêmica, principalmente nas vésperas das eleições, no entanto, nunca melhoraram nada no local. Já falaram em revitalização, em reurbanização e até em demolição do monstrengo, mas sempre foram apenas palavras.
No entanto, a única utilidade razoável daquela via pública se dá nos domingos e feriados, quando é fechada ao trânsito de veículos e funciona como um improvisado espaço de lazer. Daí as minhas corridas e caminhadas por lá.
Apesar de ser muito frequentado nesses dias, o Minhocão jamais contou com qualquer infraestrutura maior, ou serviços da prefeitura, no sentido de torná-lo mais humano e receptivo para os pedestres e usuários. Apenas uma viatura da PM circula pelo local, quando muito.
Mas, voltando à vaca fria, corria eu nesse domingo, quando avistei uma equipe de filmagem, cujos seguranças, munidos de HT´s, "pediam delicadamente" que nós passássemos para a outra via. Logo vi o motivo: Estavam gravando mais um comercial de automóvel. Dessa vez era um carro de alto luxo, de uma montadora japonesa.
O problema é que o carro utilizava uma das pistas para andar em alta velocidade, e eles não conseguiam sinalizar todo o trajeto do local. Em outras palavras, a situação gerava risco às crianças, aos transeuntes, enfim, a todos os que pretendiam curtir um espaço teoricamente sem a presença de carros, muito menos correndo e manobrando daquela maneira.
Mais uma vez, como em tantas outras, o povo vê o suposto espaço público tomado pelos interesses econômicos de grupos privados, sem sequer ser consultado a respeito. Além de sermos tratados pelos gorilas da segurança como intrusos. A população é vista como intrusa até num dos poucos espaços públicos que supostamente estaria livre do trânsito e disponível para algumas formas de lazer mais pertinentes às pessoas simples e trabalhadoras, que têm no domingo talvez o único dia de folga.
Ao perguntarmos à equipe de filmagem sobre aquela interrupção, fomos informados de que eles têm autorização da prefeitura para utilizar o espaço. Se assim é, a prefeitura deveria dar maior respaldo para que as coisas não caminhassem ao bel prazer dos produtores do comercial.
Além disso, suponho que a prefeitura cobre a devida taxa pela utilização de espaço público. Nada mais justo de que as taxas cobradas por tais eventos naquele local (Que não são poucos, diga-se) fossem ao menos em parte revertidas em benefício da população local, humanizando um pouco o esquisito Minhocão.
Se tão árido ele já merece tanta atenção das pessoas, imaginem se fossem disponibilizados banheiros químicos, serviços de saúde, monitores e orientadores para atividades físicas, música ambiente propícia à prática de esportes, etc...
Infelizmente, a cidadania tem cada vez mais sucumbido aos interesses maiores, que geralmente não trazem nada de positivo à população. Neste caso específico, os únicos que ganharam com aquelas gravações foram a equipe de produção, a montadora e as revendedoras daquele possante veículo de luxo, que nunca vai fazer parte da vida de uma pessoa comum.
O poderio econômico sempre solapa qualquer manifestação ou anseio popular. Apenas fazendo um paralelo, acho absurdo no Carnaval, principalmente em Salvador - mas também no resto do Brasil, nas famigeradas micaretas - as vias públicas serem loteadas por trios elétricos e "artistas de sucesso" para turistas endinheirados e desocupados, em total detrimento da população local, que em muitas vezes é tratada como totalmente marginal e nada bem-vinda aos locais dessa presepada.
Mais uma vez é tirado o direito de ir e vir em vias públicas do cidadão local, apenas porque ele não pode comprar o caríssimo abadá da "festa".
Já é passada a hora de que tais situações passem a reverter em benefícios práticos às populações locais. Alguma compensação os senhores do Capital devem dar ao povo tão usurpado em seus direitos.
Voltando do Minhocão, vi um rapaz grafitando uma bela obra na Rua da Consolação. A cena compensou um pouco a minha inquietação anterior.
E já que o assunto é Cidadania e sua usurpação pelos donos do poder, aproveito o ensejo para fazer minha homenagem aos grafiteiros (não aos pichadores grotescos) e às suas obras e mensagens, que felizmente têm se tornado cada vez mais frequentes em nossas vias públicas. São um verdadeiro oásis de inteligência, bom humor e sagacidade em meio a um mar de mesmice, propagandas e veículos engarrafados.
Pretendo, e já faz tempo, fazer um post somente sobre os grafiteiros e suas obras, mas ainda não recolhi material suficiente. Longa vida ao grafite como forma de conscientização e questionamento sociais. A foto que ilustra esse post é de um grafite que foi feito por esses dias. Mais verdadeiro, impossível. Alguém, de alguma forma, tem de falar a verdade.

PS: Não conheço o autor desse grafite, mas terei o maior prazer de dar os créditos, caso receba essa informação.

12 comentários:

Anônimo disse...

Atleta, Alta?
Opa, dessa eu não sabia!
(ah, se eu não fosse um carmelita descalça celibatária!).
Concordo com você sobre o grafite, desde que trabalhado com cuidado e buscando a expressão de algo relevante. Muito me entristece passar pelas nossas cidades e ver tantos monumentos e obras de arquitetura sob ação de vandalismos pintados...

Luna Sanchez disse...

Desrespeito e sensação de impotência, né, Alta? Francamente, não vejo isso acabando, sou descrente.

=\

Beijo, beijo.

ℓυηα

Eraldo Paulino disse...

O ser humano parece mesmo ter vício em ser desumano.A história do minhocão é um resumo das grandes cidades brasileiras, que parecem ter sido construídas para aliens e não para seres humanos.

Um forte axé, Alta!

Altavolt disse...

Aqui a frequência é baixa, mas é de muita qualidade. Respondamos aos incautos e nobres amigos que bravamente ainda visitam este local:

ID: Hahahaha, só se for "atreta"! Que é isso, Id? Apenas dou umas corridinhas para conter as agruras da idade avançada e tentar manter a forma de barril, antes que vire tonel. Beijo!

Luna: O mundo anda assim mesmo, mas acho que não podemos perder a esperança jamais, nem deixarmos de nos indignar com os absurdos. É esta capacidade que nos diferencia dos animais. Beijo!

Eraldo: É, meu rei, quase tudo à nossa volta parece ter sido criado para todo tipo de "coisa", menos para gente. A preocupação com o bem-estar da população, principalmente dos mais pobres, quando, e se existe, vem embrulhada em grandes doses de demagogia e propaganda. Abração!

M.M. disse...

Alta,
Amo correr! Bom saber que também gosta!
Quanto à falta de estrutura e organização é realmente uma vergonha. Com pouco pode-se fazer muito. Basta preparação e boa vontade. Pena que estes itens estão em falta, né?! (mas eu ainda tenho esperança).
Gostei muito da ideia de um post sobre os grafiteiros, viu?!
Um beijo

Jadder disse...

Salve mestre...sumido mas ainda vivo!!! Notável a parte do "Volt" corredor de domingo...bacanérrimo(corpo são, mente sã). Como estou alocado no cliente diretamente, a paisagem dos meus dias, é exatamente o dito cujo..."O Minhocão", sinceramente não consigo ver beleza alguma naquele local. Parece mais um túmulo do centro da cidade. De certa forma, concordo sobre a verba ser repassada para um bem coletivo...mas as micaretas não trazem a grana dos gringos almofadinhas??? Como diria meu velho pai: "Pra deixar o centro bonito novamente, só rezando pra nossa senhora da bicicletinha!"

Abraços Dr.

Fernando Ramos disse...

Caraio, Alta! Já estou ansioso pelo post dos grafiteiros só pra comentar. Apoio a ideia titalmente, é arte urbana contemporânea na veia! E esse grafite, putz, terei, inclusive, de tuitar.

Abraços!

Anônimo disse...

Agora tem uma postagem sobre assunto diferente especialmente pra vc.
http://cagadadeurubu.blogspot.com/2010/03/fonte-de-brugnera.html

bj

Id

Anônimo disse...

Tá vivo?

Anônimo disse...

Tá bom, tá? (voz do Freddy Mercury prateado)

Eri disse...

é o prático que somos sujeitos ao capitalismo! amei o blog! parabéns pela iniciativa1 seguindo aqui

Gustavo Martins disse...

RENASÇA DAS CINXZAS, ALTA!

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