sábado, 21 de novembro de 2009

A total dependência do automóvel

Nos dias atuais, ouvimos falar o tempo todo de sustentabilidade, preservação do meio ambiente, diminuição da poluição, reciclagem dos resíduos, economia de água potável, e uma série de tantos outros mantras ecologicamente corretos, cantados em todos os lugares, como uma incessante ladainha.

No entanto, a maioria esmagadora dessas pessoas, que vivem dando lição de moral em todo mundo, jamais deixa de usar seus automóveis por um instante que seja. Se precisam ir à padaria, a duas quadras de casa, vão de carro. Se precisam ir pegar o filho na escola, a um quilômetro de casa, vão de carro. Existem pessoas (quase todas) completamente dependentes do carro para viver, como se este fosse uma extensão do próprio corpo. Mesmo com um trânsito cada dia mais caótico e estressante, poucos são os lúcidos e corajosos que buscam alternativas para a prisão sobre quatro rodas.
uitos reclamam dos males causados pelo sedentarismo, mas jamais se dispõem a caminhar um pouco mais. Pouquíssimos utilizam bicicletas, até porque ainda faltam ciclovias e condições seguras de tráfego para elas. Mas ninguém está muito preocupado em criar ou lutar para melhorar tais condições. É muito comum ouvirmos as pessoas falarem no dia a dia que não conseguem fazer nada sem carro, que o veículo é imprescindível na vida urbana moderna, que o sistema público de transportes não funciona. Podem até ter certa razão, dependendo da situação, mas, mesmo assim, existe muito exagero e muito comodismo por trás dessas afirmações corriqueiras.

Poucos se dispõem a levantar a bunda da cadeira e caminhar, pelo menos na hora do almoço. Reclamam do calor, do frio, da chuva... Tudo é motivo para o sujeito se aboletar no seu auto e deixar de queimar pelo menos alguns gramas de gordura trans. Sem contar o rodízio paulistano, que é motivo para que muitas pessoas deem um jeito de alterar toda a rotina do dia da semana em que há restrição para o uso do seu automóvel. Ficou muito comum escutar as pessoas falando que não podem fazer tal coisa tal dia porque é o dia do rodízio. Ou seja, tudo em função do carro. A vida em função do carro.

Isso tudo, voltando ao início do deste post, sem falar nos enormes índices de CO2 lançados na atmosfera todos os dias pelos milhares de veículos que insistem em transitar, apesar de tantas adversidades e problemas que o tráfego pesadíssimo tem causado às cidades e às pessoas.

O fato é que vivemos, isto sim, apesar de tantos blablablás pretensamente conscientes e engajados, na era do automóvel. É em volta dele que a economia gira. É para ele que a maioria das obras são projetadas e, finalmente, é para conseguir alcançá-lo, que a maioria do povo trabalha. E haja propaganda de lançamento de veículos! Em uma delas até já estão fazendo a pergunta (Muito pertinente por sinal): Mas para que um carro tão possante se há tanto trânsito nas grandes cidades? E a resposta: Porque uma hora o semáforo abre! (Só não sabemos se mesmo com ele aberto vai ser possível andar, mas tudo bem...)

Falam tanto da poluição causada pelo tráfego, do iminente fim das fontes de petróleo, mas jamais cogitam em tirar o automóvel do centro das atenções do nosso mundo cada vez mais globalizado.

É de se perguntar: Será que só sabemos viver individualmente sobre quatro rodas? Será que não existem outras boas e dignas opções de transporte? Seríamos nós realmente animais motorizados?
Estaríamos todos condenados a viver todos os dias as agruras e sofrimentos causados pelo desumano e insuportável trânsito das grandes cidades?

Não sei as respostas para todas essas perguntas, mas, além da começar a fazê-las, acho sinceramente que é papel de nós todos tentar também respondê-las. Eu estou sem carro há anos. Utilizo transporte público todos os dias e caminho bastante para fazer minhas coisas cotidianas. Até o momento não fiquei doente nem enfrentei grandes problemas por causa dessa opção. Além do mais, nas cidades maiores, quando necessário, sempre há um táxi logo à mão para nos servir. Tudo é uma questão de adaptação e uso racional dos recursos e possibilidades disponíveis. Além de abandonar a maldita ideia de que o carro traz status e glamour para os seus proprietários. Foi-se o tempo. Hoje em dia qualquer um compra um carro zero em 96 prestações e se encalacra todo para pagá-lo. Mas, mesmo assim, pode dizer e mostrar para todos que tem um carro.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Dos tempos do politicamente incorreto

Dependendo do ponto de vista, quinze anos podem não ser assim tanto tempo. Porém, para algumas coisas, tudo muda muito em quinze anos.
Nos idos de 94, o Rollinbund trabalhava em uma empresa municipal de São Paulo, mais especificamente naquela que cuida do trânsito dessa caótica cidade. O trânsito, já naquela década, era completamente enlouquecedor. De lá pra cá, só fez piorar sensivelmente.
Contudo, não são exatamente as atividades-fins daquela empresa que pretendo relembrar, até porque o nosso herói trabalhava num setor que poderia perfeitamente se enquadrar como atividade-meio, o famigerado Setor de Compras e Licitações.
Rollinbund foi alçado àquele Setor através de um concurso interno, no qual obteve o primeiro lugar sem grande esforço. Imagine só o nível dos outros cerca de quarenta candidatos. Muito sofrível, certamente.
Pois bem, classificado no certame, foi notificado de que começaria no Setor de Compras, atuando como comprador, já na próxima semana.
Ao chegar ao local de trabalho, percebeu, à primeira vista, que a sala mais se assemelhava a um hospício do que propriamente a um departamento ou seção.
Em tempos em que o politicamente correto ainda não tinha dominado todas as empresas e todos os ambientes corporativos, aquele setor poderia ser considerado como remanescente dos anos setenta, dada a precariedade, tanto de material humano, quanto de equipamentos, com que ali se trabalhava. Parecia que o lugar estava parado no tempo há pelo menos duas décadas. Só para que os leitores tenham uma ideia do atraso, os métodos de trabalho, se é que eram métodos, ainda incluíam o uso do praticamente extinto, já naquela altura, Telex. Havia duas máquinas de datilografia eletrônicas IBM, mas a maioria dos funcionários ainda martelava velhas Olivettis mecânicas. Aparelho de fax, apenas um, para dar conta das demandas de seis compradores e todas as cotações feitas por eles. Os preenchimentos dos formulários eram manuais, com carbono, uma verdadeira ode ao atraso e à antiguidade.
Mas, afora o atraso tecnológico, o que mais assustava era o comportamento politicamente incorreto dos funcionários. Cerca de quinze pessoas, a maioria sem noção ou preparo, que se amontoavam naquela sala, fazendo de suas mesas de trabalho os seus respectivos feudos, achando que mandavam nos seus exíguos territórios, sem se importar com os vizinhos que se espremiam por todos os lados, mantendo distâncias máximas de um metro uns dos outros, fosse na frente, do lado ou atrás. Uma verdadeira balbúrdia cotidiana.
E o pior não era isso. Em tempos de menos preocupação com a saúde o o bem-estar, a maioria das pessoas que ali trabalhavam era de fumantes inveterados. Verdadeiras chaminés.
Por outro lado, nos dias de calor, havia duas facções que praticamente se engalfinhavam pelo controle do único aparelho de ar condicionado que havia para todos. É claro que nunca existia unanimidade. Alguns queriam ligar o ar, enquanto outros achavam que a sala ficava fria demais. E era esse tormento o dia todo. Uns iam lá e ligavam. Outros, aproveitavam o descuido dos primeiros e desligavam. Quem ligou o ar? Quem desligou o ar?
Agora, imaginem a situação: Cerca de dez pessoas fumando e a sala com todas as janelas fechadas devido ao uso do ar condicionado. O recinto vivia empesteado. Até o Rollinbund, que nunca fumou, consumia pelo menos um maço por dia de Continental sem filtro nessa época.
Em certos momentos, ao entrar repentinamente na sala, parecia que estávamos entrando numa taberna ou num pub londrino. Ao abrir a porta, a nuvem se espalhava pelo lado de fora.
Mas isso ainda não era o auge da falta de noção. Pelo menos metade da sala consumia suas marmitas na própria mesa de trabalho. E os cardápios não eram exatamente os mais leves. Macarronada com muito queijo parmesão, sardinhas fritas, filés de pescada e feijoada eram pratos recorrentes. Imaginem o aroma do local em meio a tanto fumacê, tantos pratos condimentados e tanta gente junta.
Outro quesito complicado era o local do cafezinho. Por falta de jeito e traquejo, eles faziam de um arquivo de aço cinza o suporte para a bandeja do café, do chá e do açúcar (Adoçante? Nem pensar!). Como não eram muito jeitosos, derrubavam café e chá por todo lado e emporcalhavam tudo com açúcar. As laterais e a frente do arquivo ficavam impregnadas e grudentas daqueles respingos. Em algumas vezes podíamos ver o café escorrendo pelo aço daquele móvel e chegando até o chão. Era porcaria para todo lado.
Diante desse quadro dantesco, imaginem a produtividade e a eficiência daquele setor. Já dá para ter uma ideia de que nada funcionava muito bem, não?
Os formulários eram datilografados com erros absurdos de ortografia. Trabalhavam sem nenhuma atenção. Alguns pedidos de compra precisavam ser refeitos umas cinco vezes. Gritavam a plenos pulmões de um lado ao outro da sala, não dando a mínima para os outros colegas que muitas vezes estavam ao telefone, efetuando cotações de preços e contatos com fornecedores. Era a barbárie.
Com o tempo vieram os conceitos de qualidade total e a lei que proíbe fumar em prédios públicos. Chegaram os computadores e iniciou-se um processo de reciclagem dos funcionários. Hoje em dia, me informam os colegas que lá ficaram, o setor é dividido em estações de trabalho e ninguém pode fazer a refeição nas suas próprias mesas. Tudo ficou mais eficiente e organizado, mas muito longe de conservar a graça e a espontaneidade daqueles famigerados tempos.

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