segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Créu, Mulher-Filé e outras aberrações

Foi-se a época em que existiam músicas de duplo sentido. Há algumas décadas, de tempos em tempos, apareciam cantores e compositores que se dedicavam à “arte” de criar canções cujas letras eram cheias de malícia, cacófatos e palavras enviesadas, que levavam o ouvinte a captar outras mensagens, além daquela aparente à primeira audição. Naqueles tempos, é bom que enfatizemos, tais artistas eram tachados, por grande parcela da população, de produtores de baixarias e não de músicas. Ninguém sabia, àquela altura, o que realmente viria a ser baixaria.

Genival Lacerda é um desses artistas, famoso por suas letras de duplo sentido, que falavam uma coisa, mas queriam dizer outra, como a famosa “Severina Chique-Chique” e “Ela deu o rádio”. Sandro Becker, embora muito menos talentoso do que Genival, também lançou das suas, como o “Gato Tico” e “Julieta tá”. Talvez a ditadura militar tenha contribuído para o surgimento desses compositores criativos, que precisavam burlar a censura lançando mão de várias artimanhas e estratégias. Outra fonte para tais criações é o jeito despojado e irônico de muitos nordestinos, que sempre gostaram de introduzir pitadas de humor despojado em suas canções.

Porém, hoje em dia, lamentavelmente, não há mais necessidade de fazer músicas com duplo sentido. As letras são diretas e sem nenhuma graça ou qualquer charme. São grotescas, mesmo. Vide o exemplo do famigerado “Créu”, uma baixaria sem tamanho, sem graça, e nenhuma inspiração. Do “Créu” vieram coisas ainda piores, como a Mulher-Melancia, uma moça cheia de abundância que se diz cantora e dançarina. A vi cantando, se é que aquilo é cantar, apenas uma vez, mas, perto da “música” dessa “cantora” , o Genival Lacerda fica parecendo um Noel Rosa, dada a diferença brutal de nível entre ambos.

Essa moça, como todas as suas “clones”, que surgiram instantaneamente após o seu “sucesso”, devem matar as feministas dos anos 60 de vergonha e de raiva. E pensar que elas lutaram tanto, se mobilizaram tanto, queimaram sutiãs em praça pública, para em 2008, quarenta anos após, as mulheres se comportarem dessa maneira. Mostrando e balançando a bunda na cara de todos os homens e cantando letras impronunciáveis de tão sofríveis e baixas. Acho que não era por esse tipo de emancipação que aquelas mulheres lutavam.

Mulher-Filé, Mulher-Morango, Mulher-Jaca, virou uma grande feira. “Instant celebrities” comestíveis. Basta olhar, escolher e pegar, não sem antes pagar, é claro.

Onde teriam se perdido a delicadeza e a beleza essencialmente femininas? Por que muitas mulheres escolheram esse caminho para se “equiparar” aos homens?

Falo isso, porque não vejo as mulheres sérias, competentes e preparadas - e olha que elas são muitas – se indignando verdadeiramente contra tais comportamentos de parte delas, as ditas e comentadas “cachorras”. Se fosse mulher, teria muita vergonha de ver mulheres reduzidas a meros objetos do desejo e da cobiça dos homens. As mulheres modernas não podem ser só isso, pois, se assim for, a igualdade entre os sexos ainda estará muito mais longe do que imaginamos.

Mas assim caminha a sociedade brasileira moderna. Mulheres expostas como carne em um açougue. Cantando e dançando músicas chulas e baixas, sem nenhum mérito artístico, que, infelizmente, são enfiadas goela abaixo dos nossos despreparados telespectadores, a custa de muito jabá pago às rádios, emissoras de Tv e seus apresentadores sofríveis.

A minha pergunta, sempre que me deparo com esses shows de horrores que só vêm piorando a cada ano, é aonde todas essas aberrações chegarão? E onde será o fundo desse poço de ignorância e destruição da criatividade e qualidade da cultura brasileira?

Nós, brasileiros, merecemos ter acesso a artistas e trabalhos conscientes e de qualidade, que existem aos montes por todo esse país, mas que infelizmente estão soterrados sob montanhas de bundas e peitos siliconados, além de créus, axés, funks e forrós de péssimo gosto. Será que o aumento da consciência cultural do povo não é um dos caminhos para sairmos desse mar de mazelas e desgraças em que chafurda este país?

Não é possível que o povo brasileiro queira ter acesso apenas a essas “modernas” aberrações da mídia!

9 comentários:

Flávia disse...

Olha, INFELIZMENTE tenho que concordar contigo. Digo infelizmente porque gostaria mesmo de poder negar tanto o teor nonsense disso que é classificado erroneamente como música quanto a banalização da imagem feminina nesse contexto midiático de hoje. E não dá pra negar nem uma coisa, nem outra. Se isso se restringisse ao terreno "artístico", já seria um lucro, mas não fica por aí - esse excesso de erotização se reflete com mais peso justamente na galerinha mais jovem, que ainda não tem uma peneira legal pra filtrar o que recebe. As conseqüências todo mundo sabe, né? Não é falso moralismo, as estatísticas tão aí pra comprovar.

E acredito sim que o cerne da questão seja educação - acesso à cultura, possibilidade de maturar as opiniões, de tomar gosto pelo que realmente tem qualidade. Mas desacredito que, pelo menos a curto prazo, a gente consiga escapar desse panis et circencis tupiniquim: ao invés de lutas de gladiadores, performances de mulheres-fruta.

E olha que não sou pessimista.

Beijos, moço.

Altavolt disse...

Flavinha: Vc enriqueceu muito este post. Concluiu exatamente o que eu esperava que o leitor concluísse: Esses absurdos da mídia colaboram sobremaneira para tornar nossa população, principalmente nossas crianças e jovens, mais emburrecida, despreparada e erotizada precocemente e aí...já viu...Grande beijo!

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Concordo !
A consciencia do povo é a voz da mídia.
O povo é levado por ela, mas parece que isso sempre foi assim, desde que o mundo é mundo.
um grande abraço

Vanessa disse...

É. Eu já não acredito que essa gororoba toda esteja sequer próxima do que costumo chamar de música. Está muito mais para erotismo explícito e escrachado...

Não descarto nisso a continuidade da liberdade e igualdade pregada pelas mulheres da década de 60, mas certeza que as feministas devem estar absurdadas em ver onde tudo isso chegou. Pq uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra.
Há uma distorção das coisas aí, e a mídia se aproveitou legal.

Acredito que o estopim disso tudo foi dado lá nos anos 80, quando definitivamente a erotização virou moda...E eu ali, inocente, dançando as músicas da Xuxa, passando batom vermelho e usando um shorts que mal cobria minha bunda!

Parece que tudo se inverteu. As mulheres se fazem de cachorras dos homens, e assim alimentam aquela fantasia de submissão total.
Não precisamos disso!


Absurdos.

Anônimo disse...

Onde as aberrações chegarão eu não sei. Não sei de onde sai tanta gente pra gostar de tanta porcaria. Triste é dormir com um barulho destes.

O bom é que tem gente que não desistiu do duplo sentido. Outro dia uma pessoinha por aí me apresentou uma letra que dizia mais ou menos assim "tudo que ela quer é me ter"... dá pra imaginar, né?

Flávia Batista disse...

Simplesmente amei seu texto! e concordo com tudo que vc falou!
Fico chocada de ver como uma mulher se presta a exibir-se ridiculamente como essas mulheres frutas fazem. Sinceramente? eu sou mulher, mas me dou valor! Não acho bonito me exibir, como se eu fosse um objeto, principalmente para um trabalho em que beleza por beleza não existe!
Para mim elas vendem seus corpos, como se fossem prostitutas que ficam na esquina.
Tah aí... você me deu uma idéia, meu próximo post vai ser sobre isso!
Valeu a visita!

abraços

Gustavo Martins disse...

Alguma coisa assim:

"Abre as peeeedras meu amor
Que e´ali que peixe esconde
Quando vê o pescador..."

Queremos ver é quando começar a aprecer HOMEM ROSQUINHA, HOMEM MAIONESE, HOMEM PEPINO e aí por diante...

Anônimo disse...

Voltei aqui pra ver os comments e sobre o que o gustavão falou, já apareceu: O HOMEM BERINJELA (com j ou g, nunca sei)! É que não vejo Pânico, mas há muuuito tempo atrás tinha, rs

Sweet Toxicant disse...

De fato, tudo isto é lamentável...
E chegou a um ponto em que é difícil definir de quem é a culpa... essas mulheres não se preservam, a mídia explora, os homens dão audiência, e tudo recomeça.

Só posso pensar que elas estão mais interessadas na exibição e na remuneração que lhes cabe, pois não conheço mulher em sã consciência que goste de ser ridicularizada, banalizada, explorada, desvalorizada. Isso até a idade chegar, e seus "atributos" serem perdidos e elas se prestarem a algo ainda mais ridículo para se manterem em um local só porque se esqueceram de buscar outra forma de sobrevivência e crescimento.

Triste, muito triste...

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