Saiu de casa para o trabalho às 6h30 da manhã. O mau-humor era o de sempre. Também, pudera, levantar da cama às 5h30 para encarar o frio e mais um extenuante e longo dia de trabalho mecânico na repartição pública em que estava lotado, não poderia de maneira alguma ser considerada uma grande pedida para aquela terça-feira.
Grandes cidades implicam em pequenas multidões aonde quer que vamos. Pequenas multidões, via de regra, com baixos níveis de educação e cidadania. Já no ponto de ônibus, o nosso homem começou a se deparar com pequenos gestos e atitudes deselegantes e mesquinhos. Os mesmos, aliás, aos quais já estava habituado.
Não sabia, no entanto, que naquele dia ele não estava sozinho. Apesar de toda a inércia atual da sociedade em relação à falta de educação e respeito ao próximo, sentiu que havia outra pessoa apoiando o seu desagrado com a falta de civilização alheia. Não sei se seria exatamente outra pessoa, talvez, dado a natureza insólita da situação, pudéssemos chamá-lo de outro ser.
O fato é que, já ao perceber um motorista de ônibus que havia passado direto pela parada em que estava, sem prestar serviços, viveu uma experiência inédita em sua vida. O seu dedo médio - até então quietinho, junto com os demais dedos da mão, a qual encontrava-se confortavelmente aninhada no bolso da jaqueta – apresentou uma força e uma atitude inesperadas, erguendo-se no ar de maneira acintosa, em direção ao motorista ignorante.
O homem, visivelmente envergonhado, não sabia literalmente aonde iria enfiar aquele dedo autônomo e tão irascível. Sabia que o motivo que o despertara era lamentável, mas, educado que era, não podia conceber a idéia de colocar o dedo médio em riste a cada contragosto e falta de educação que vivenciasse. Entendeu, desde aquele momento, que por algum motivo inexplicável, seu dedo médio dotara-se de incrível independência e juízo de valores próprios. Sabia que algo inexplicável estava acontecendo, mas continuou tentando manter sua rotina diária.
Ainda no ponto de ônibus, localizado numa avenida de grande movimento e trânsito engarrafado e nervoso, impacientou-se com motoristas que buzinavam a torto e a direito, como se isso fosse magicamente melhorar o tráfego pesado. Novamente, irritado pelas estúpidas e desnecessárias buzinas altas e prolongadas, seu dedo médio o desobedeceu e colocou-se em local bem alto e visível, direcionado a todos os motoristas idiotas que por ali estavam a meter a mão nas malfadadas buzinas.
O homem, dono do dedo, começou a se preocupar com toda aquela independência do seu membro consciente e cidadão, mas tão nervoso e com baixíssima tolerância à estupidez e à ignorância de grande parte dos moradores daquela cidade.
Apesar de alguns xingamentos e de algumas expressões de espanto, recebeu também alguns comentários de apoio ao dedo em riste. Preocupado, conseguiu subir no lotado ônibus que aguardava, apesar da força que teve que fazer para se manter no degrau de entrada.
A partir daí, seu dedo ficou enfurecido e totalmente fora de controle. Levantou-se para as pessoas que insistiam em ficar paradas nos degraus de entrada, impedindo a passagem dos outros e o fechamento da porta.
Levantou-se de novo contra aqueles que estavam bloqueando a catraca, não permitindo que os demais passageiros caminhassem para o fundo do coletivo.
Irritou-se e se fez notar muito claramente para os estudantes que carregavam suas mochilas enormes nas costas, complicando a vida de todos os outros passageiros.
Quando conseguiu um lugarzinho para sentar, do lado do corredor, o dedo independente ficou um pouco mais contido, mas não por muito tempo. Logo em seguida, a pessoa que estava ao seu lado, dormindo até então, acorda e – roboticamente – levanta-se para sair do banco, sem sequer balbuciar um pedido de licença. O homem, acostumado àquilo, foi liberando a passagem, mas o dedo médio não deixou passar batido. Apresentou-se bem na cara do passageiro desligado, em tamanho e forma bem visíveis.
Daí a pouco, o ônibus ainda lotado, o homem começa a ouvir os costumeiros gritos de passageiros que estavam longe da porta de saída e queriam que o motorista esperasse pacientemente até que descessem. Normalmente, os motoristas, já de saco cheio, não costumam dar ouvidos a essa gritaria dos folgados, e segue em frente pisando fundo. O dedo intrometido manteve-se em riste e na direção dos folgados que tentavam chegar à porta de saída.
Quando desceu do inferno sobre rodas em que estava, o homem só precisava atravessar uma avenida para chegar ao seu local de trabalho. Percebeu um grande número de carros parado e tomando conta da faixa de pedestres que utiliza diariamente. Encarou como algo lamentável, mas normal nos dias de hoje. O dedo, claro, não deixou barato, ergue-se e dirigiu-se ostensivamente a todos os motoristas que desrespeitavam a sinalização e os pedestres do local.
Ao chegar à repartição, e deparar-se com toda a preguiça e descaso dos colegas, com as ordens estúpidas e estapafúrdias da chefia, enfim, com toda a maneira equivocada como funciona o serviço público, não deu outra, o dedo irascível manteve-se em riste o tempo todo, poupando pouquíssimos colegas de trabalho. O chato foi quando se levantou até para o diretor da unidade. Por conta das estripulias do dedo irado, o homem foi levado para um sanatório, aonde ainda se encontra internado, fazendo tratamento à base de antidepressivos e calmantes. Todos estranharam aquele surto ter acometido uma pessoa tão calma e paciente. O homem, atualmente, vive letárgico como um autômato. O dedo continua autônomo. Não há remédio que o mantenha sob controle.
Grandes cidades implicam em pequenas multidões aonde quer que vamos. Pequenas multidões, via de regra, com baixos níveis de educação e cidadania. Já no ponto de ônibus, o nosso homem começou a se deparar com pequenos gestos e atitudes deselegantes e mesquinhos. Os mesmos, aliás, aos quais já estava habituado.
Não sabia, no entanto, que naquele dia ele não estava sozinho. Apesar de toda a inércia atual da sociedade em relação à falta de educação e respeito ao próximo, sentiu que havia outra pessoa apoiando o seu desagrado com a falta de civilização alheia. Não sei se seria exatamente outra pessoa, talvez, dado a natureza insólita da situação, pudéssemos chamá-lo de outro ser.
O fato é que, já ao perceber um motorista de ônibus que havia passado direto pela parada em que estava, sem prestar serviços, viveu uma experiência inédita em sua vida. O seu dedo médio - até então quietinho, junto com os demais dedos da mão, a qual encontrava-se confortavelmente aninhada no bolso da jaqueta – apresentou uma força e uma atitude inesperadas, erguendo-se no ar de maneira acintosa, em direção ao motorista ignorante.
O homem, visivelmente envergonhado, não sabia literalmente aonde iria enfiar aquele dedo autônomo e tão irascível. Sabia que o motivo que o despertara era lamentável, mas, educado que era, não podia conceber a idéia de colocar o dedo médio em riste a cada contragosto e falta de educação que vivenciasse. Entendeu, desde aquele momento, que por algum motivo inexplicável, seu dedo médio dotara-se de incrível independência e juízo de valores próprios. Sabia que algo inexplicável estava acontecendo, mas continuou tentando manter sua rotina diária.
Ainda no ponto de ônibus, localizado numa avenida de grande movimento e trânsito engarrafado e nervoso, impacientou-se com motoristas que buzinavam a torto e a direito, como se isso fosse magicamente melhorar o tráfego pesado. Novamente, irritado pelas estúpidas e desnecessárias buzinas altas e prolongadas, seu dedo médio o desobedeceu e colocou-se em local bem alto e visível, direcionado a todos os motoristas idiotas que por ali estavam a meter a mão nas malfadadas buzinas.
O homem, dono do dedo, começou a se preocupar com toda aquela independência do seu membro consciente e cidadão, mas tão nervoso e com baixíssima tolerância à estupidez e à ignorância de grande parte dos moradores daquela cidade.
Apesar de alguns xingamentos e de algumas expressões de espanto, recebeu também alguns comentários de apoio ao dedo em riste. Preocupado, conseguiu subir no lotado ônibus que aguardava, apesar da força que teve que fazer para se manter no degrau de entrada.
A partir daí, seu dedo ficou enfurecido e totalmente fora de controle. Levantou-se para as pessoas que insistiam em ficar paradas nos degraus de entrada, impedindo a passagem dos outros e o fechamento da porta.
Levantou-se de novo contra aqueles que estavam bloqueando a catraca, não permitindo que os demais passageiros caminhassem para o fundo do coletivo.
Irritou-se e se fez notar muito claramente para os estudantes que carregavam suas mochilas enormes nas costas, complicando a vida de todos os outros passageiros.
Quando conseguiu um lugarzinho para sentar, do lado do corredor, o dedo independente ficou um pouco mais contido, mas não por muito tempo. Logo em seguida, a pessoa que estava ao seu lado, dormindo até então, acorda e – roboticamente – levanta-se para sair do banco, sem sequer balbuciar um pedido de licença. O homem, acostumado àquilo, foi liberando a passagem, mas o dedo médio não deixou passar batido. Apresentou-se bem na cara do passageiro desligado, em tamanho e forma bem visíveis.
Daí a pouco, o ônibus ainda lotado, o homem começa a ouvir os costumeiros gritos de passageiros que estavam longe da porta de saída e queriam que o motorista esperasse pacientemente até que descessem. Normalmente, os motoristas, já de saco cheio, não costumam dar ouvidos a essa gritaria dos folgados, e segue em frente pisando fundo. O dedo intrometido manteve-se em riste e na direção dos folgados que tentavam chegar à porta de saída.
Quando desceu do inferno sobre rodas em que estava, o homem só precisava atravessar uma avenida para chegar ao seu local de trabalho. Percebeu um grande número de carros parado e tomando conta da faixa de pedestres que utiliza diariamente. Encarou como algo lamentável, mas normal nos dias de hoje. O dedo, claro, não deixou barato, ergue-se e dirigiu-se ostensivamente a todos os motoristas que desrespeitavam a sinalização e os pedestres do local.
Ao chegar à repartição, e deparar-se com toda a preguiça e descaso dos colegas, com as ordens estúpidas e estapafúrdias da chefia, enfim, com toda a maneira equivocada como funciona o serviço público, não deu outra, o dedo irascível manteve-se em riste o tempo todo, poupando pouquíssimos colegas de trabalho. O chato foi quando se levantou até para o diretor da unidade. Por conta das estripulias do dedo irado, o homem foi levado para um sanatório, aonde ainda se encontra internado, fazendo tratamento à base de antidepressivos e calmantes. Todos estranharam aquele surto ter acometido uma pessoa tão calma e paciente. O homem, atualmente, vive letárgico como um autômato. O dedo continua autônomo. Não há remédio que o mantenha sob controle.
15 comentários:
#1 Amei o visu, condizente com o sua pessoa e sua proposta!!
#2 Que texto 'surtável', com um tema pouco abordado... Excelência sua observação do cotidiano numa expressão de entender e compreender o outro. Ora abismado, ora maravilhado. Filosofal... Inteligente... Divertido... Isso compõe os seus textos meu caro amigo Alta. Obr por compartilhar sua visão de mundo!!
xerô ú&e
Muito bom, Alta!
Um texto contagiante, enquanto lia meu polegar insistia em apontar para cima... positivo!!!
.
Excelente, do início ao fim! Adorei a forma como abordou o tema, esse conflito "interno" entre o que sabemos ser errado, e a falta de ânimo em reclamar...as coisas com as quais a gente se acostuma.
Muito bom, moço. =)
Bom final de semana.
Um beijo grande,
ℓυηα
U&E: Fico feliz que tenha gostado do visu! Valeu pela força, beijão!
Nando: Se o seu polegar ficou alerta é porque consegui passar a mensagem que pretendia. Valeu, amigo!
Luna: É uma pequena contribuição para diminuir a nossa inércia diante de tudo de errado que nos rodeia. Grande beijo!
Hahahahaha!! Fantástico.
Você já experimentou o alívio que causa o ato de levantar este dedo? É feio, eu sei.... mas algumas vezes eu não consigo me controlar... Não sei se é psicológico, mas quando eu não posso ir bater no canalha enchendo o saco no metrô, no ônibus, na fila do banco, só de levantar esse dedo, me causa um alívio... Isso serve também quando passa uma coisa absurda na tv, uma notícia idiota no rádio...
Claro que não sou tão louca né.. em público eu levanto o dedo bem discretamente... geralmente de dentro do bolso da calça ou da blusa... mas que me dá um alívio, ah isso dá!
Parabéns pelo texto! Totalmente irreverente, mas útil e inteligente. Diferente das mesmices que encontramos diariamente.
Grande beijo, moço!!
Um dedo autônomo e revolucionário!
Já pensou de a moda pega e os pés desses pol[iticos salafras ficam autônomos também, e os levam, contra a vontade, a pular do alto de prédios com mais de 30 andares?
Ia sujar todo o chão, embaixo, de bosta, mas a limpeza na "Casa do Povo" seria mais que valiosa.
Dedosa autônomos para todos nós! Pés aut6onomos para os salafras!
Sweet Tox: É verdade, mostrar esse dedo quando nos deparamos com os absurdos do cotidiano tem propridades muito terapêuticas! Só que tem que ser muito discreto! rsrs Beijão!
MCP: Sua ideia é muito boa. Quem dera se os salafras fossem dotados dessa capacidade de suicídio a bem do serviço público! abraço!
Ha ha ha... muito bom amigão, aliás só o "levantar inconsciente" desse dedo já pode valer por sessões de terapia...rs
Abração meu velho, ficou show o visu novo do blog
Fabião: Precisamos encontrar formas de aliviar a pressão constante das metrópoles! Abraço!
Cara Cris, tentei fazer um alerta para a necessidade urgente de formarmos cidadãos e não gado. A intenção nao é responsabilizar os outros por tudo, mas que chegássemos a uma sociedade em que a maioria se importasse com o coletivo e com os outros. Grande beijo!
Cara, que texto bom!
Parabéns!
É a primeira vez que te visito e gostei bastante da quelidade doseu texto.
É muito bom quando nos surpreendemos com o que a net nos oferece.
Ainda estou engatinhando no universo "bloguistico", mas qnd tiver um tempinho dá um pulinho lá no meu "Que história é essa?".
Obrigado e parabéns.
Leonardo Pinheiro.
Leonardo: Valeu a força! Visitarei o seu blog com certeza! Abraço!
Alta, pelo texto, percebo que não és de Brasília. Porque aqui, como em qualquer outro lugar, os dedos médios também têm vida própria. Mas jamais precisariam se erguer para carros na faixa de pedestre ou buzinaço. ;)
De qualquer forma, conheço um amigo desse dedo autônomo aí. É a boca autônoma, que se manifesta de forma grosseira - independendo se na casa da sogra ou na igreja, sempre que o Vascão joga mal. Hehehe.
Fernandão: É verdade, soube que em Brasília o trânsito fica perto do civilizado! Aqui em Sampa é a lei do cão! Haja dedo médio em riste! Abraço!
Caracas Altamir...juro que ví a cena ocorrendo comigo. Creio que vou adotar essa política dedística, nos trens da CPTM da zona sul; aliás, meu dedo vai, porque eu continuarei educado!rs
òtima visão, da extrema falta de educação e tolerância do povo, em seu cotidiano!
Abraço.
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