quarta-feira, 27 de março de 2013

O país dos dedos de silicone

Por esses dias, foi amplamente noticiada e comentada por a toda imprensa brasileira, assim como nas redes sociais, a falcatrua perpetrada por um grupo (quadrilha?) de médicos do SAMU de Ferraz de Vasconcelos, grande São Paulo, por meio da qual apenas um elemento comparecia ao local de trabalho, mas registrava os pontos de todos os demais comparsas do bando, com a utilização de dedos de silicone com as respectivas impressões digitais.  
Simulacros dos dedos de médicos do SAMU,
 feitos em silicone para fraudar o registro de ponto
Ainda não se sabe o tamanho do prejuízo que essa esperteza teria causado à sociedade e ao erário. Tendo em vista se tratar de atendimento emergencial e de primeiros socorros, que é a atividade-fim do SAMU, imagina-se que muita gente possa ter sido séria e até mortalmente prejudicada com essa desfaçatez e descaso em relação à coisa pública e à população.
Agora, além desse caso concreto e escabroso, que veio à tona graças a uma campana bem feita pela Guarda Municipal de Ferraz, fico me perguntando em quantas instâncias, repartições e órgãos públicos não estarão acontecendo, por parte de espertalhões e malandros, o uso de expedientes tão ardilosos quanto o uso de simulacros (Como a investigação policial denominou as réplicas dos dedos) de silicone para burlar a frequência e o horário de trabalho e outras safadezas correlatas e de igual potencial ofensivo?
Ao que parece - a julgar pela forma como grande parte metida a esperta da nossa sociedade encara os serviços públicos -, os dedos de silicone podem estar metidos em inúmeras instâncias, entrâncias e reentrâncias de entidades e autarquias.  Tais entes públicos detêm a função precípua, cada um deles, de prestar serviços a todos nós, cidadãos e contribuintes em geral, que em última análise somos os patrões de todos os servidores públicos, categoria que compreende desde as mais humildes funções até os ministros das mais altas cortes do país, incluindo parlamentares, autoridades nomeadas e mandatários do poder executivo.
É alarmante que servidores públicos achem normal burlar regras e dar nós em pingos d'água visando não cumprir as tarefas, atribuições e horários para os quais são pagos, e em alguns casos, como os médicos do SAMU, muito bem pagos. 
Percebemos que, pelos séculos afora, o famigerado jeitinho brasileiro realmente se arraigou e se alastrou de forma geométrica nas terras tupiniquins. Por quaisquer locais ou situações que passemos, se formos um pouco atentos, notaremos a formação de esquemas e estratégias que buscam trazer vantagens pecuniárias, ou de quaisquer outras naturezas, para aqueles que participam dessas ações entre amigos. Ou, melhor dizendo, talvez pudéssemos classificá-las como ações entre  inimigos da cidadania, da ética e da honestidade. 
Exemplos desses esquemas de corrupção não faltam. Pelo contrário, infelizmente abundam em nosso cotidiano. Podem acontecer e se configurar de naturezas e formas das mais diversas, mas sempre, em todos esses casos, detectamos a figura daquele (ou daqueles) que está levando vantagem indevida e se locupletando de forma ilegal ou irregular em troca de favores, os quais não seriam passíveis de ser concedidos se esses agentes atuassem estritamente dentro da lei e da regularidade que as atividades, principalmente os serviços públicos, exigem de todos eles. 
Em consequência dessa deformação cultural, nosso dia-a-dia fica repleto de flanelinhas, cambistas e  atravessadores, em relações e situações para os quais esses elementos não seriam minimamente necessários, muito menos bem vindos. Em outro contexto, mais virtual e institucional, também agem os flanelinhas e traficantes de influência, só que de maneira mais velada e profissional,  tirando vantagens pessoais indevidas. Só que esses, tais como os doutores do dedo de silicone, andam bem arrumados, de colarinho branco e têm, a princípio, aquela aparência de "pessoas de bem", tão difundida e incutida em nosso inconsciente coletivo. 
Já passou da hora de o Brasil banir das relações sociais, governamentais e econômicas, os tais dedos de silicone, que se enfiam em todos os meios e corrompem todas as instâncias por onde passam.  

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